segunda-feira, 29 de agosto de 2016

As missões do Padre Ibiapina em Cajazeiras


O SANTA CRUZ, (Recife) Ed.58,pág. 02; 02/11/1861

MISSÕES EM CAJAZEIRAS
Dominus dabit verbum evangelisantibus, virtute multa. Sl. 67,12.
            Todas as instituições humanas depois de alguns anos necessitam de reformas, e se persistem em sua duração tornam-se aborrecidas, caem por si mesmas em desuso, e desaparecem; ainda mesmo quando os potentados do mundo as queiram sustentar, debalde se esforçam, porque o ouro prodigalizado e os rios de sangue apenas as fazem demorar, e por isso mesmo torna-se a sua queda mais estrondosa. Qual a razão porque a inexpugnável Esparta perdeu a sua independência, e os braços de seus belicosos filhos não eternizaram as regidas leis de Licurgo? O que há sido feito dos tão concorridos jogos olímpicos? Como deixou Roma de extasiar-se a vista de seus ensanguentados circos? Tudo são coisas que já foram, e dela só resta a triste história para testemunhar os desvarios humanos em todos os tempos.
            Mas outra tem sido a marcha das instituições que tiveram o seu princípio em Deus. Deus disse: O homem sustente-se à custa do suor de seu rosto, e não houve ainda um só que dessa lei se pudesse eximir. Santificai o dia sétimo; e o período de seis mil anos ainda não diminuiu a força de um tal mandado; mas Deus é imutável, e deste caráter revestem-se todos os seus atos. O Filho de Deus disse: Ide pregai o meu santo Evangelho a todas as nações, e dezenove séculos ainda não firam bastantes para que esse Evangelho perdesse o brilhantismo e vigor de seus primeiros dias. Em qualquer parte da terra onde os legítimos executores do mandado divino levantaram a voz, o povo em tropel corre, acumula-se em roda, e ouve a palavra divina com o mesmo ardor e espírito, como se pela primeira vez tivesse ouvido falar das grandes maravilhas aos homens prodigalizadas pelo redentor dos homens.
II
            Foi um ato destes sempre tocante que Cajazeiras presenciou durante quatro dias, que entre nós esteve o Padre José Antônio Pereira Ibiapina, Missionário Apostólico. S. Revma., apesar de seus grandes incômodos de saúde, havia saciado com o alimento da divina palavra aos habitantes de Souza, Picos, S. José, Santa Fé e S. João; e vendo os habitantes de Cajazeiras, que esse farol da mansão celeste lhes ia escapar, e que eles por si sós não eram suficientes, para fazê-lo retrogradar, recorrem a Mãe de Deus, a Senhora da Piedade, nossa Padroeira, colocam a sua imagem com um andor, e processionalmente vão-se ter com o enviado de Deus, que então se achava missionando na povoação de S. João, e dizem-lhe que por intercessão da mesma viesse satisfazer esta porção do rebanho de Cristo. O servo de Maria não pode resistir, e dizendo: Sim.Ela é quem me dará saúde, prometeu satisfazê-los.
            Com efeito no dia 15 do Agosto às cinco horas da tarde a estrada por onde devia vir o apostolo de Cristo, achava-se obstruída de um povo imenso de ambos os sexos, sem distinção de classes; um prazer inexplicável se divisava em todos os semblantes, onde raiava uma alegria mais que humana. As imagens entraram acompanhadas desse numeroso cortejo, e uma voz geral e uníssona entoava hinos de louvor a Virgem Mãe de Deus.
            Tanto que se reuniu o povo no lugar destinado, em seguida da breve elocução proferida pelo sacerdote, que em nome do Revmo.Vigário, fez a entrega do povo, S. Revma. subiu ao púlpito, e fez logo sentir o desejo da salvação da humanidadeque germina em seu coração; esta chama parece que imediatamente comunicou-se a todo aquele auditório, pois que se conservava no maior silêncio.
III
            Nos dias seguintes esse apóstolo brasileiro de um modo o mais persuasivo, claro e amoroso falou sobre o amor que as criaturas devem tributar ao Criador; sobre a educação que os pais devem dar aos filhos, e o respeito e obediência que estes devem a aqueles; sobre a excelência do sacerdócio, e a pureza de costumes e ciência que devem caracterizar o ministro do Senhor; sobre o escândalo e males que à sociedade proveem ou sejam estes feitos ao som da viola em uma pobre choupana, ou nos grandes solões ao som da música marcial; o que muito bem comprovou com a sentença de morte proferida por Herodes contra o Batista em um d’esses banquetes de corte a pedido de uma bailarina!!
            A exemplo do apóstolo das gentes que entregou a satanás o Coríntio incestuoso, ele proferiu do púlpito a maldição de Deus contra um sujeito que havia nesta povoação amancebado com duas irmãs de sua própria mulher, a quem ele havia abandonado, sendo uma das tais madrinha, mãe de criação e comadre da outra! O povo concebeu um horror tal a esse amaldiçoado, que não lhes dava água nem fogo e batia-lhes as portas; ele vendo-se em completo desprezo retirou-se, conduzindo com sigo as suas desgraçadas mancebas: tal é a força do mau hábito inveterado, que a tudo se sacrifica o infeliz pecador, menos à voz do Eterno quando o chama à conversão!!
            Pediu ele que os sambistas lhe trouxessem as suas violas, e as mulheres vaidosas as pontas dos vestidos, e foi pontualmente obedecido, de sorte que no quarto e último dia de missões estava de posse de 33 violas, e de um crescido número de pontas de vestidos. Na procissão do Cruzeiro, que então se levantou, mandou ele distribuir as violas com outras tantas meninas decentemente vestidas, levantando uma delas em um cestinho as pontas dos vestidos; mandou que adiante fossem 12 meninos com seus enfeitados fechinhos de lenha. Finda a procissão em frente do cruzeiro, feito um espaçoso círculo por mais de seis pessoas assistentes, a quem se distribuí porção de luzes, mandou ele reunir a lenha em forma de fogueira, na qual depois de acesa, cada menina de per si acompanhada de um sacerdote ia depositar a sua viola, e algumas pontas de vestidos, que da cestinha tiravam; enquanto outras menina entoavam um hino ao Divino Espírito Santo. Concluiu-se o ato com os vivas: À conversão dos pecadores! Á Nossa Senhora da Piedade! E ao triunfo da religião! E a cada um, o povo correspondia com entusiasmo santo.
            Talvez sejamos taxados de ignorantes, fanáticos ou hipócritas por esses empavonados sábios de salões, porque descrevemos e admiramos cenas desta ordem, a que chamamos edificantes; mas sem nos darmos ao incomodo de justificar-nos, apenas lhes aplicamos as seguintes palavras do Redentor: Graças te dou, Pai, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos, e revelaste somente aos pequeninos.
 Parte IV
            Recolhido da procissão o povo ao lugar do costume, começou S. Revma. a fazer despedida, e ao passo que de sua boca saiam recomendações de ma ternura paternal; ouvia-se o soluçar sempre crescente desse numeroso povo; sinal este bem significativo do amor que todos lhe tributávamos.
            E donde vem que no breve espaço de quatro dias um homem sem algum desses prestígios que o mundo emprega para ganhar simpatias, tenha deixado como que em completa orfandade a tantas mil amas?! É que a sua doutrina não é deste mundo, e por isso as palavras tem a virtude não só de dirigir-se às inteligências, mas também de gravar-se nos corações; e aquele de quem é enviado lhes comunicou um poder imenso: Dominus dabit verbum evangelisantibus, virtute multa.
            Não é pelos melhoramentos materiais que se deve avaliar os frutos de uma missão católica, por isso pouco adiantamos em dizer, que em Cajazeiras em quatro dias apareceu como por encano um grande espaçoso adro na matriz; um elegante cruzeiro com um bem trabalhado pedestal em forma de coluna; e muito serviço feito no reparo do açude aqui existente. Mas o que deve encher de regozijo ao verdadeiro católico é saber que o melhoramento moral foi muito sensível; vê-se que a imensidade de mulheres mundanas que aqui existia tem desaparecido; muitos amancebados se têm casado; os sambas contínuos, que tanto incomodavam as pessoas honestas, foram desterrados, e em lugar deles ouvem-se vozes dirigidas ao Eterno em terços nas casas particulares em louvor da mãe de Deus; o mercado, que antes era feito no dia de domingo, foi transferido para o sábado, ficando assim a tarde de domingo livre para as predicas morais, que desde então em tais dias há sempre na matriz.
            Enfim graças mil sejam tributadas ao Altíssimo, que não se dedignou de permitir, que entre nós retumbasse a sua santa palavra proferida por um ministro tão digno de seu apostolado. Entre tanto resta-nos suplicar sempre a N. Senhora da Piedade, que como nossa Padroeira e Mãe amabilíssima não consinta, que a semente de tão profícuas missões fique sem crescimento, mas antes continuando a favorecer-nos faça com que ela germine em os nossos corações e dê frutos a cem por um para nós sempre deliciosos.
Cajazeiras 4 de Outubro de 1861.J. Thomaz.




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